Eva Schneider em: A erva rejeitada por Deus



Sabú respirava com muita dificuldade, uma respiração fraca. Hanahira disse:
- Vocês precisam partir agora, a erva deve ser colhida antes do primeiro raio de sol.
 Albert disse:
- Mas que diabo de erva é essa? Onde que a gente vai encontrar isso? Deus não a quer? Se não quer essa erva é porque ela não deve prestar.
Eva pegou na mão do tio e o acalentou:
- Se acalme tio.
Virou para a bruxa e disse:
- Hanahira, nos explique o que devemos fazer.
Hanahira disse:
- Pois bem, essa erva é uma planta que nasce apenas em terrenos de grande altitude, ela é fácil de reconhecer, tem as folhas largas e dá uma flor grande, alaranjada com detalhes em roxo. Existem poucos pés dessa planta e todos eles estão no mesmo lugar, o alto da Pedra Branca. - Ela fala isso e aponta pela janela. A noite de lua permite que eles possam ver do que se trata o local.
- Minha nossa senhora e como você espera que eu suba lá? Voando, não sou um passarinho! - Diz Albert.
Hanahira disse:
- Existe uma trilha, vocês sobem pelo meio das árvores, deve demorar umas duas horas para subir. Mas o mais importante é: ao encontrarem a planta, vocês devem ir até a ponta do penhasco e jogá-la para baixo. Quando Deus recusar um desses galhos o arremessando para cima novamente vocês terão encontrado a erva certa, que salvará o pequeno Sabú.
Eva olhou para o tio e disse:
- Vamos?
Tio Albert olhou para Sabú, torceu os bigodes e fez que sim com a cabeça. Hanahira foi com eles até um pedaço, indicando a trilha que deveriam tomar até o topo da Pedra Branca. Como a noite era de lua cheia eles conseguiam enxergar sem maiores dificuldades. Eva tirou do bolso uma bússola e a bruxa mostrou qual a direção e deu todas as informações necessárias, explicando tudo com detalhes, qual direção eles deveriam tomar depois de atingirem o topo.
Albert não era um homem atlético, era trabalhador; para andar não era o mais rápido dos seres humanos. Ele tinha dificuldades para acompanhar o passo de Eva e vez ou outra era obrigado a parar para tomar novo fôlego e tentar continuar. Mais ou menos pelo meio da subida ele foi obrigado a se sentar.
- Minha filha, acho que meu coração vai saltar pela boca. - Ele se abaixou e ficou pálido, como se fosse desmaiar.
- Tio, tio, se acalme, acho que é melhor você esperar aqui.
Ele a olhou e disse:
- Jamais, eu preciso ir com você.
Eva retrucou:
- Mas assim vamos demorar a vida toda, fora que o senhor pode ter um ataque do coração, não tá acostumado a todo esse esforço físico.
Ele tentou levantar, mas não conseguiu, Eva foi ao seu encontro, lhe deu um beijo e disse:
- Eu já volto tio. - E seguiu a trilha.
Ela continuou a subida naquele ritmo incansável. Ao chegar no topo foi seguindo as indicações de Hanahira. Chegou no local chamado de Facão, uma estreita passarela com cerca de 3 metros de largura, com perau para os dois lados. O céu estava muito estrelado, podia-se ver longe e Eva pensou que talvez tivesse sido melhor que a visão estivesse menor, para ela não ver todo aquele perigo que estava correndo. Ventava bastante, Eva respirou fundo e pensou em Sabú, ela precisava ir. Apesar do medo, era lindo passar por ali.
Após passar o Facão ela continuou seguindo as indicações da bruxa, andou, andou, vez ou outra se assustava com as sobras das árvores ou com algum barulho estranho que ouvia, ela tinha medo de leões baios, apesar de pensar que Katse sempre estaria por perto para lhe proteger. Quando Eva pensava estar perdida, se deparou com um enorme penhasco, exatamente como a bruxa havia explicado.
Finalmente Eva sentou e comeu um pedaço de pão, toda aquela subida tinha a deixado faminta e para falar a verdade ela se sentia bem cansada, mas sabia que não podia perder tempo, a vida de Sabú dependia dela.
Ela começou a procurar a planta. Viu dezenas de tipo de mato, mas nenhum deles com a bendita flor laranja com roxo. Mesmo não encontrando nada, não desistiu de procurar, até quando avistou no fundo de um valo a plantinha, que batia precisamente com a descrição que a bruxa havia lhe passado. Ela apanhou alguns galinhos e voltou para a beira do penhasco, para fazer aquilo que a bruxa havia mandado.
Jogou o primeiro galho e caiu, jogou o segundo e ele caiu novamente, o mesmo aconteceu com todos os galhinhos que ela jogou. O que ela estava fazendo de errado?
Ela se afastou e com o olhar procurou novamente pelo local de onde deveria jogar. A bruxa havia dito que que seria um pouco antes de uma ponta de pedra. Analisando bem, poderia ser em outro lugar, alguns metros para a frente de onde Eva estava. Ela retornou ao local onde encontrou a planta, colheu mais alguns galhos e voltou para tentar novamente.
O mesmo aconteceu, todos os galhos cairam. Aparentemente Deus estava com vontade de ficar com todos aqueles galhinhos. Eva sentou e começou a chorar, ela tinha subido até ali, encontrado a planta e agora não conseguia encontrar o galho adequado, era muito injusto.
Foi até o valo e colheu todos os galhos restantes da planta, estava decidida a tentar mais algumas vezes, porém se não desse ela levaria a planta mesmo assim, poderia ajudar em algo.
Mais algumas tentativas falharam, até que Eva sentiu a brisa mudar e resolveu que tentaria pelo menos mais uma vez.
Ela colocou todas as suas esperanças naquele ramo de mato, pensou em todas as risadas que já deu ao lado de Sabú, em todas as aventuras que já viveram juntos, pensou na tia Matilda que amou o menino desde a primeira vez que o viu e jogou o galho, ele caiu, mas como em um passe de mágica ele foi devolvido. Subiu mais alto do que a cabeça de Eva e depois caiu aos seus pés. Eva nem conseguia acreditar, teria sido mesmo Deus que ouvindo o pedido de seu coração devolveu aquele pedaço de mato? Ela não precisava de nenhuma explicação, a única coisa que queria era correr para casa para poder salvar Sabú. Antes de ir ainda jogou os dois últimos galhos da planta que para a sua surpresa também retornaram.
Assim que começou o caminho de volta o sol começou a nascer e Eva corria para chegar na velha cabana da bruxa o quanto antes.
Correu pelo alto dos campos, pelo meio das toiceiras que teimavam em engolir seus pés, levou alguns tombos, arranhou o rosto e os braços em espinhos e galhos secos, mas não desgrudava da bolsa que continha a única esperança de ter Sabú de volta.
Após passar pelo facão encontrou Tio Albert, que estava subindo.
- Tio, eu encontrei a planta e Deus a devolveu, podemos salvar Sabú!
Albertt gritou:
- Filha, corra o mais rápido que puder, eu vou descer logo atrás de você.
Eva desceu todo o morro sem parar de correr, no final as unhas de seus pés sangravam, de tanto serem forçadas contra a ponta de seus tamancos. Ao chegar lá embaixo ela pegou um dos cavalos e saiu a galope em direção a cabana da bruxa.
Ceci e Hanahira estavam esperando Eva na janela e assim que a avistaram foram encontrá-la.
- Trouxe a planta? - Indagou Hanahira.
Eva abriu a sacola e disse:
- Espero que seja essa.
Hanahira pegou a planta e examinou, ao final ela disse: 
- É bem essa, espero que não seja tarde demais.
Ela foi até o fogão onde já existia um caldeirão com água quente, amassou a planta, dentro de uma “cumbuca” de madeira até a planta ficar parecida com uma pasta, colocou um pouco de água fervente, botou uma tampa e disse que iria deixar curtir um pouco. Depois ela pegou mais algumas folhas da planta, misturou com outras ervas e colocou dentro de algo parecido com um turíbulo das igrejas, a mistura de ervas gerou uma fumaça com um cheiro estranho. Ela foi até as prateleiras e pegou uma série de potes, com óleos, unguentos, misturas com as mais variadas cores e aromas.
Ela pediu para que as duas meninas saíssem de dentro da casa, Ceci relutou, mas Eva a pegou pelo braço e a convenceu a sair, dizendo que elas precisam confiar em Hanahira.
Assim que elas saíram começaram a ouvir uma cantoria dentro da casa, uma espécie de reza cantada da qual não conseguiam entender muitas palavras.
Hanahira passou óleos pelo corpo de Sabú, fez uma compressa com algumas ervas, incluindo a erva que Eva trouxe do alto da Pedra Branca e a colocou na testa e no local onde a cobra o picou.
Ela tirou a tampa da cumbuca e com a ajuda de um pano, coou a água que havia colocado na papa feita pelas folhas da planta socadas. Ela fez Sabú engolir essa água e depois, trocou a parte de cima do turíbulo, colocando uma tampa com um único ofício e por ali ela sugava a fumaça pela boca, abria a boca de Sabú e passava a fumaça para a boca dele. Nesse momento ele abriu os olhos e tossiu, fechou novamente e ela começou uma série de rituais, que envolviam reza, mais fumaça e doses do remédio feito a partir da planta. Após um tempo Sabú vomitou e voltou a dormir.
Hanahira saiu do quarto, fechou a porta e disse:
- Temos que esperar 3 dias, se ele não melhorar, podemos dar o caso como perdido, mas acredito que dará tudo certo, ele parece ser forte.
Umas duas horas depois apontou Tio Albert pela estrada. Ele parecia ter sido atropelado por um cavalo xucro, estava todo estropiado, sujo, com as roupas rasgadas. Assim que chegou pediu notícias de Sabú e ficou um pouco decepcionado ao saber que ainda tinha que esperar. Mal teve tempo de “apiar” do seu cavalo ouviu os gritos de Matilda chegando.
- Minha nossa senhora, onde está o meu menino? - Ela estava aos prantos, Albert a abraçou e pediu para que ela tivesse calma.
Na noite do primeiro dia Sabú teve um sono perturbado, parecia que estava tendo alucinações, falava, gritava durante o sono.
No segundo dia todos ainda estavam na casa de Hanahira, que aos poucos foi ganhando a confiança de Albert e Matilda.
Ela contou que o povo tem muito preconceito, chamavam ela de bruxa, mas na verdade ela era apenas uma pessoa que acreditava na força da natureza e em algo que talvez as pessoas não conseguissem ver, mas que era uma espécie de energia que se usada de forma positiva só fazia o bem as pessoas. Ela conhecia muitos remédios indígenas, conhecia muito sobre ervas, chás, sabia preparar remédios, sabia tratar de qualquer doença, ela brincava dizendo que se parecia muito mais com um médico do que com uma bruxa, mas já estava acostumada a ser chamada de bruxa, ser mal vista pela sociedade e a ter que viver um pouco escondida para ter paz.
O terceiro dia já estava quase terminando quando o frei chegou até a casa de Hanahira. Ele veio com Albert que tinha ido até o Barracão ver como estava o sítio e também resolver algumas pendências. Ao chegar o frei cumprimentou Hanahira como se fossem antigos conhecidos e pediu para ver Sabú. O indiozinho estava pálido, parecia que nem existia mais sangue correndo pelas suas veias, o frei teve medo do pior acontecer em pouco tempo.
Enquanto o frei consolada Matilda, Ceci caiu em prantos e Hanahira a abraçou. Albert torceu os bigodes e Eva não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo mais uma vez em sua vida e foi então que ouviram uma voz fraca vir de dentro da casa.
- Mutter[1]?
 Matilda deu um salto para dentro da casa e abraçou Sabú chorando e dizendo:
- Estou aqui meu filho, a mamãe está aqui!
Sabú nunca tinha chamado Matilda de mãe, mas esse era o amor que os dois sentiam um pelo outro, de mãe e filho.
Todos foram até o quarto para ver Sabú. Ele ainda estava muito fraco, mas iria sobreviver.
Tio Albert e tia Matilda não sabiam o que fazer para agradecer Hanahira, que não queria nada em troca, nem dinheiro, nem comida. Ela disse que já tinha tudo que precisa para viver. Eles agradeceram mais algumas vezes.
Ela se despediu de Ceci e depois abraçou Eva dizendo:
- Você salvou a vida de seu amigo, teve a coragem de enfrentar a noite sozinha e não desistiu antes de cumprir seu objetivo, continue assim. Eu me enganei, quem teve o prazer de te conhecer fui eu, minha brava Eva.
O frei apenas abanou a mão de longe para Hanahira e Eva percebeu que existia alguma história entre os dois, mas agora não era hora de perguntar sobre isso e sim hora de voltar para casa, para Sabú se recuperar logo!






[1] Palavra em alemão que significa mãe.

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